segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Voz interior


Tenho uma voz dentro de mim que tenta falar mais alto.
Fala comigo constantemente, e simpática como é, muitas vezes limita-se a narrar os meus pensamentos, as minhas emoções, de forma pausada e calma, sempre na primeira pessoa do singular ou do plural.
Até aí muito bem, é bom ter assim uma voz calma e amiga dentro da cabeça, que nunca se esquece de nós e vai-nos clarificando as ideias simplesmente ao expô-las.
O problema é que esta voz amiga não está sozinha. E também não tem um timbre especial que me permita distingui-la das demais. E as outras são mais que muitas...
Há alturas em que estão relativamente calmas, e limitam-se a sussurrar, entre si ou directamento comigo. Mas por vezes, mesmo estes sussurros tornam a voz amiga inaudível. São tantas as vozes, as ideias, os pensamentos, que mesmo que falem baixinho, por exprimirem-se todas ao mesmo tempo, cada uma a querer impôr o seu ponto de vista, falam mais depressa umas do que as outras, tentando sobressair através do ritmo.
E quando temos uma voz amiga, mas sem timbre diferenciado, e uma série de outras que falam em ritmos, velocidades e com emotividades diferentes, a minha cabeça torna-se minha inimiga.
Até porque as outras vozes nem sempre falam baixo, tentanto cativar-me com uma falsa doçura e humildade. Muitas vezes irritam-se, zangam-se e gritam.
E as vozes, todas estas vozes, são correntes de pensamento sem princípio nem fim, que percorrem a mente e me perseguem constantemente.
E a voz amiga não se distingue das outras, pois a tonalidade é a mesma.
E quando as vozes não se distinguem, eu não sei quem sou eu e quem são os outros.
E mesmo quando as vozes se distinguem, eu nem sempre me dou ouvidos.
E mesmo quando a voz amiga grita dentro da minha cabeça, e apenas uma ou outra voz surge em sussurro, eu ainda assim me deixo seduzir pelos argumentos apresentados por quem sussurra.
E um sussurro é muitas vezes um lobo vestido de cordeiro, e um grito é muitas vezes um cordeiro vestido de lobo... mas nem sempre.
E eu tenho de conviver com eles, sempre. E sinto-me em paz apenas quando se calam todas as vozes: as da rua, as do rádio, as da televisão, as dos vizinhos e as dos familiares, as de quem está comigo e as de quem está em mim.
Só consigo sentir paz no silêncio! Refugio-me no silêncio!
E por vezes ando dias à sua procura, e quanto mais o procuro menos o encontro. E quando se calam as vozes do mundo, as vozes da mente falam ainda mais alto. E essas só eu as posso calar. E a unica forma que conheço de calá-las é dar-lhes vida. Dou-lhes oportunidade de se expressarem cá fora, longe da escuridão confusa onde se encontram enclausuradas. E dou-lhes vida escrevendo, não o que dizem, não o que sussurram e muito menos o que gritam. Dou-lhes vida dando-lhes disciplina. Dou-lhes vida dando-lhes liberdade.
E conseguindo organizarem-se com estas duas premissas, permito-lhes virem brincar cá fora, apanhar um pouco de sol. Ficam mais calmas e eu também.
É bom para todos, estes períodos de disciplina e liberdade. Permite-nos sermos nós próprios sem atropelarmos o outro.

Por vezes sentem-se muito apertadas, enlatadas, qual metro em hora de ponta. Nestas alturas, por mais períodos de disciplina e liberdade que lhes dê, nunca são suficientes. Entram e saiem constantemente, mas o alíveio é apenas momentâneo. A mente continua apinhada e sobrelotada. As horas de ponta do metro têm princípio e fim, depois tudo normaliza.
A minha mente está sobrelotada, em plena hora de ponta à demasiado tempo. Todos os recreios que disponibilizo para os meus pensamentos se libertarem não são suficientes. O alívio não é mais do que esporádico e momentâneo.
Estou a aguardar que a hora de ponta passe, e que possa voltar a ser eu...
Adorava encontrar-me no meio da multidão. <3

Sem comentários:

Enviar um comentário