segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Uma carta

Que faço eu, senão mais do que querer o impossível?
Conhecer-me profundamente, por dentro e por fora, como se fosse uma carta escrita, dobrada e dentro de um envelope. Cheia de significados óbvios e obscuros, consoante quem a lê.
Queria eu ser uma terceira pessoa que não sou, alguém que olha de fora para dentro,escrupulosamente e metodicamente analisa o invólucro e o interior, pesa, cheira, vê a sua composição. E certo certinho, dá o seu diagnóstico. 
"Que é uma carta, sem sombra de dúvida!" 
"Escrita em papel branco ou reciclado de 80gr., não há dúvida alguma!" Foi também escrutinado o remetente, embora não o destinatário. O tipo de caneta usada e a qualidade da tinta. Há quanto tempo foi escrita e se chegou efectivamente ao seu destino. Ou se não chegou a sair da secretária que a gerou.
Assim me sinto eu. Com uma minúcia imensa, analiso-me com o maior cuidado e precisão. Chego a uma série de conclusões fundamentais, óbvias, até. Mas de forma alguma chego perto da essência. Desconheço o seu interesse, a sua matéria, o que a move.
Muito caminho sem sair do mesmo lugar.
Tenho ideia que mesmo que aparecesse alguém que apontasse-me o conteúdo, eu teria capacidade para analisar não mais do que o local e a data, a quem se destina e por quem foi escrito.

Sobre a nossa vida, o que é óbvio para os outros, é novo e transcendental do ponto de vista do próprio.
Somos tão bons a analisar a vida dos outros quanto somos maus a analisar a nossa própria vida. Tudo se revela um mistério insondável dos recônditos da mente e do coração.

E assim sigo o caminho, de eu em eu, sem saber se tenho a capacidade de me reconhecer se me encontrar!

Sem comentários:

Enviar um comentário