quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Dementia

Fui incapaz de raciocinar
E não deixei de ser quem sou
Fui incapaz de me lembrar
E não deixei de ser quem sou
Fui incapaz de tomar decisões
E não deixei de ser quem sou
Não me lembrei de comer
E eu ainda sou eu
Não fui capaz de cozinhar
E eu ainda sou eu
Não fui capaz de me organizar
E eu ainda sou eu
Fui incapaz de compreender o que leio,
Mas não deixei de ser quem sou
Fui incapaz de me reconhecer ao espelho
E eu ainda sou
Fui incapaz de sentir
E eu ainda sou
Fui incapaz de ouvir
E eu ainda sou
Fui incapaz de entender
E eu ainda sou
Fui incapaz de ter compaixão
E eu ainda sou

A Pausa

Estou aqui. No momento em que a minha cabeça parou, as emoções apagaram-se, questiono tudo de uma forma geral e já sem desespero. Porquê?!
Uma pergunta que já nem espero ver respondida pois as vozes na minha cabeça calaram-se, e não tenho quem me ajude a discernir o real do imaginário, nem esperança de sentir...
Eu, como me conheço, não estou cá, não estou presente para me dar apoio, direcção, companhia, certezas...
E então percebi!
Percebi o que pode sentir alguém que nunca tenha tido fé, o desamparo, a solidão, a incredibilidade no bom perante a dificuldade.
Percebi o quão desesperante pode ser nunca ter conhecido a fé, e surgiu em mim compaixão.
Compaixão sem julgamento.
Compaixão por quem não se sente acompanhado, logo não tem fé.
Compaixão por quem não se lembra e fica doente.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Ética

Assume-te!
Responsabiliza-te!
Tens de ser mais mais forte do que o mundo inteiro, mesmo quando te encontras deitado e dorido pelas feridas do caminho. O cansaço pode ser tal que te sentes dormente, perto da inconsciência, mesmo assim não deves perder a capacidade de distinguir o certo do errado.
É o que faz de ti quem tu realmente és. Saberes, com toda a certeza, no fundo do teu ser, o que está certo a cada momento, e agires de acordo com o que sabes.
A questão é que, mesmo sabendo não ages de acordo com a tua vontade, mas com o que consideras ser a vontade dos outros.
Ou por preguiça, ou por não quereres pensar, ou por achares que não és suficientemente adequado para tomares as tuas próprias decisões, ou simplesmente por quereres desesperadamente integrar-te, deixas que outros tomem a decisão por ti. Às vezes são coisas pequenas, outras vezes não.
Depois, quando dás por ti, já foram tantas as decisões não-tomadas neste estado de dormência que, de repente, a vida já não é tua.
E foram tantos os momentos em que abdicaste de quem és, que procuras e não te encontras.
Aí, resta-te apenas encontrar o silêncio.
Quando o conseguires encontrar, agarra-te a ele! É no silêncio que todas as vozes do mundo exterior se calam. É só lá que poderás reencontrar alguma paz.
E atenção, que eu disse que encontras paz, pois é possível que te tenhas desmembrado de tal forma que não te consigas encontrar. Apenas no silêncio encontrarás refúgio.
E se te conseguires refugiar durante tempo suficiente, perceberás que ainda resta um pouco de ti. E essa voz, que é tua, falará.

Nasci com Fé

Nasci com fé, e a menos que algum acontecimento muito traumatizante me possa arrancar, ela estará sempre comigo. E mesmo que por algum desastre a perca, terei sempre a sua memória e a sua falta, uma ferida que dói. Dói sem parar como um membro decapado, e tal como este, a memória do que já foi não se vai, pois existe sempre uma dolorosa cicatriz que nos recordará diáriamente a sua existência.
E porque digo eu que nasci com fé, já agora?! Desta forma tão indubitavelmente física, quando costumamos atribuir esta a uma área emocional da nossa vida?
Eu nasci com fé, pois nasci com a certeza inquestionável de um Deus amoroso, carinhoso e com compaixão infinita que me acompanha em cada momento da minha vida.
Acredito, acreditei e poderei continuar a acreditar neste Entididade Divina cheia de Luz que nos acompanha, porque sempre a senti lá.
Não vou dar nenhum relato estraordinário de uma Luz Divina que iluminava todos os meus sonhos, ou de um amigo imaginário vestido de vestes resplandecentes que me acompanhava durante a infância.
Ao invés disso, a explicação é muito simples.
Sempre que estava sozinha sentia-me acompanhada.

Uma visão pessoal

A Fé é algo difícil de definir, como nasce, cresce, prospera e morre... e muitas vezes volta a renascer, formando um movimento espiralado de renovação e evolução.
Talvez os teólogos sejam capazes de, formalmente, definir o seu ciclo de vida dentro de cada indivíduo.
Eu acho que, todas essas abordagens formais a uma assunto tão profundo e íntimo, dificilmente deixarão entrever mais do que uma abordagem superficial e estereotipada da mesma.
Isto digo eu, que ainda não encontrei ninguém que tivesse a mesma relação com a fé que eu tenho.
E mesmo eu, que sendo eu e não passando a ser qualquer outro, consigo só agora ter um vislumbre dessa abordagem superficial de que os outros tanto falam.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Perdição

Achas-te tão cheio de ti e nada tens. Perdeste pedaços da tua alma pelo caminho.
De cada vez que tropecaste e aceitaste culpar o outro pela tua deselegância, perdeste-te!
De cada vez que optaste por magoar para não ser magoada, perdeste-te!
De cada vez que optaste por ignorar a tua voz interior em prol da opinião dos outros, perdeste-te!
De cada vez que choraste por ti sem nada fazer pelo outro, perdeste outro pedaço de ti.
Toda a vida é um caminho de pedras. Só tu escolhes o que fazes com elas.
Cada vez que criticas o próximo pelas suas atitudes, é uma venda que pões nos teus próprios olhos para não veres o teu caminho.
E assim tudo é.

...

Sou o que não fui, mas não sei o que serei.
Desconheço o caminho.
Enquanto não adquirir o poder libertador da confiança, nada poderá fazer sentido. Tudo continuará escuro, imensamente vago e aleatório.

Poder e controlo

Conectamos a ideia de emoção com a ideia de fraqueza, porquê?
Temos a ideia de que uma pessoa emotiva, que exterioriza com frequência e sem pudores as suas emoções, é uma pessoa que não se controla, que não tem controlo sobre si própria.
-E porque devemos nós ter controlo sobre tudo?
-Porque o controlo nos dá a falsa sensação de poder.
-Mas o controlo não é poder? Uma pessoa que está sempre no controlo da situação não é uma pessoa poderosa?
-Não, alguém que faz questão de controlar tudo e todos revela ter medo. É alguém com muito medos e sente que tem de controlar tudo, nada pode fugir ao seu alcance. Na realidade, é uma pessoa possivelmente insegura, com muita falta de confiança no fluir da vida.
Nós vivemos aqui, nesta realidade, nesta dimensão. Isso é inemutável. Logo, a primeira coisa a fazer para termos alguma chance de nos darmos bem por cá é aceitar o fluir da vida. Aceitar que nem tudo depende de nós, nem deve depender. Ao querermos que todos dependam de nós, estamos a estrangular a liberdade do outro. Aliás, quando queremos alcançar o poder, usualmente o que queremos como resultado do poder é termos LIBERDADE!
Liberdade para fazermos o que quisermos, o que acharmos melhor, o que nos apetecer.
Achamos sempre que, se tivéssemos mais poder, o mundo seria mais justo.
Ora, isso é uma contradição por si só! Num mundo justo, o poder deveria ser equitativo a todo o ser humano.
E é com a liberdade que se conquista!

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Voz interior


Tenho uma voz dentro de mim que tenta falar mais alto.
Fala comigo constantemente, e simpática como é, muitas vezes limita-se a narrar os meus pensamentos, as minhas emoções, de forma pausada e calma, sempre na primeira pessoa do singular ou do plural.
Até aí muito bem, é bom ter assim uma voz calma e amiga dentro da cabeça, que nunca se esquece de nós e vai-nos clarificando as ideias simplesmente ao expô-las.
O problema é que esta voz amiga não está sozinha. E também não tem um timbre especial que me permita distingui-la das demais. E as outras são mais que muitas...
Há alturas em que estão relativamente calmas, e limitam-se a sussurrar, entre si ou directamento comigo. Mas por vezes, mesmo estes sussurros tornam a voz amiga inaudível. São tantas as vozes, as ideias, os pensamentos, que mesmo que falem baixinho, por exprimirem-se todas ao mesmo tempo, cada uma a querer impôr o seu ponto de vista, falam mais depressa umas do que as outras, tentando sobressair através do ritmo.
E quando temos uma voz amiga, mas sem timbre diferenciado, e uma série de outras que falam em ritmos, velocidades e com emotividades diferentes, a minha cabeça torna-se minha inimiga.
Até porque as outras vozes nem sempre falam baixo, tentanto cativar-me com uma falsa doçura e humildade. Muitas vezes irritam-se, zangam-se e gritam.
E as vozes, todas estas vozes, são correntes de pensamento sem princípio nem fim, que percorrem a mente e me perseguem constantemente.
E a voz amiga não se distingue das outras, pois a tonalidade é a mesma.
E quando as vozes não se distinguem, eu não sei quem sou eu e quem são os outros.
E mesmo quando as vozes se distinguem, eu nem sempre me dou ouvidos.
E mesmo quando a voz amiga grita dentro da minha cabeça, e apenas uma ou outra voz surge em sussurro, eu ainda assim me deixo seduzir pelos argumentos apresentados por quem sussurra.
E um sussurro é muitas vezes um lobo vestido de cordeiro, e um grito é muitas vezes um cordeiro vestido de lobo... mas nem sempre.
E eu tenho de conviver com eles, sempre. E sinto-me em paz apenas quando se calam todas as vozes: as da rua, as do rádio, as da televisão, as dos vizinhos e as dos familiares, as de quem está comigo e as de quem está em mim.
Só consigo sentir paz no silêncio! Refugio-me no silêncio!
E por vezes ando dias à sua procura, e quanto mais o procuro menos o encontro. E quando se calam as vozes do mundo, as vozes da mente falam ainda mais alto. E essas só eu as posso calar. E a unica forma que conheço de calá-las é dar-lhes vida. Dou-lhes oportunidade de se expressarem cá fora, longe da escuridão confusa onde se encontram enclausuradas. E dou-lhes vida escrevendo, não o que dizem, não o que sussurram e muito menos o que gritam. Dou-lhes vida dando-lhes disciplina. Dou-lhes vida dando-lhes liberdade.
E conseguindo organizarem-se com estas duas premissas, permito-lhes virem brincar cá fora, apanhar um pouco de sol. Ficam mais calmas e eu também.
É bom para todos, estes períodos de disciplina e liberdade. Permite-nos sermos nós próprios sem atropelarmos o outro.

Por vezes sentem-se muito apertadas, enlatadas, qual metro em hora de ponta. Nestas alturas, por mais períodos de disciplina e liberdade que lhes dê, nunca são suficientes. Entram e saiem constantemente, mas o alíveio é apenas momentâneo. A mente continua apinhada e sobrelotada. As horas de ponta do metro têm princípio e fim, depois tudo normaliza.
A minha mente está sobrelotada, em plena hora de ponta à demasiado tempo. Todos os recreios que disponibilizo para os meus pensamentos se libertarem não são suficientes. O alívio não é mais do que esporádico e momentâneo.
Estou a aguardar que a hora de ponta passe, e que possa voltar a ser eu...
Adorava encontrar-me no meio da multidão. <3

...

Os dias passam-se e eu não me sinto mais perto nem do início nem do fim. Sei que caminhei. Entendo que o meu eu de hoje não é igual ao de ontem nem será ao de amanhã. Mas de tanto mexer-me não sei se saí do sítio, pois não sei onde estou.
Estou num lugar escuro, de chão plano e mais nada. Ando, corro e arrasto-me e nunca chego a lado nenhum. E não tenho indícios de que esteja viva sequer. Será isto não mais do que um sonho?
Se assim for, mais parece um pesadelo...

Uma carta

Que faço eu, senão mais do que querer o impossível?
Conhecer-me profundamente, por dentro e por fora, como se fosse uma carta escrita, dobrada e dentro de um envelope. Cheia de significados óbvios e obscuros, consoante quem a lê.
Queria eu ser uma terceira pessoa que não sou, alguém que olha de fora para dentro,escrupulosamente e metodicamente analisa o invólucro e o interior, pesa, cheira, vê a sua composição. E certo certinho, dá o seu diagnóstico. 
"Que é uma carta, sem sombra de dúvida!" 
"Escrita em papel branco ou reciclado de 80gr., não há dúvida alguma!" Foi também escrutinado o remetente, embora não o destinatário. O tipo de caneta usada e a qualidade da tinta. Há quanto tempo foi escrita e se chegou efectivamente ao seu destino. Ou se não chegou a sair da secretária que a gerou.
Assim me sinto eu. Com uma minúcia imensa, analiso-me com o maior cuidado e precisão. Chego a uma série de conclusões fundamentais, óbvias, até. Mas de forma alguma chego perto da essência. Desconheço o seu interesse, a sua matéria, o que a move.
Muito caminho sem sair do mesmo lugar.
Tenho ideia que mesmo que aparecesse alguém que apontasse-me o conteúdo, eu teria capacidade para analisar não mais do que o local e a data, a quem se destina e por quem foi escrito.

Sobre a nossa vida, o que é óbvio para os outros, é novo e transcendental do ponto de vista do próprio.
Somos tão bons a analisar a vida dos outros quanto somos maus a analisar a nossa própria vida. Tudo se revela um mistério insondável dos recônditos da mente e do coração.

E assim sigo o caminho, de eu em eu, sem saber se tenho a capacidade de me reconhecer se me encontrar!